Mais um trecho do livro



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Pessoal,

O livro "De onde veio esta doença ? O que pensam os adoecidos sobre a gênese da Doença de Gaucher" segue firme. Apesar de se tratar de um livro acadêmico, que trata de uma doença rara e muito pouco conhecida do público em geral, ele já ultrapassou as 700 visualizações no site em que ele está à venda. É um feito e tanto! :)


Infelizmente o sistema só permite que se visualize o livro pela capa (no caso de ePubs é assim...):

"De onde veio esta doença?"

(Essa é a capa...com alguns defeitinhos de designer principiante! :P)

Segue, então, outro trecho, logo abaixo, para que vocês possam 'degustar' um pouco mais de seu conteúdo.

Quem leu me disse que gostou! Espero que vocês, leitores aqui do blog, gostem e se interessem também... E estou à disposição para esclarecer dúvidas, ou mesmo conversar melhor sobre este assunto. É só deixar um alô nos comentários. 


↓↓↓

Capítulo 2: 

"(...)
Dentre os entrevistados, observou-se que havia quem afirmasse que sabia o que era a Doença de Gaucher, demonstrando certo manejo de termos e conceitos médicos que visavam reiterar sua condição de conhecedores, do ponto de vista científico, desta condição. 
Havia também aqueles que afirmavam desconhecer, ou não compreender adequadamente, esta doença, por não manejar adequadamente os termos e conceitos médicos a ela relacionados. Embora citassem, em suas narrativas, alguns conceitos e termos médicos, afirmavam que não compreendiam os seus significados, ou não encontravam relação entre tais informações e as suas vivências com este adoecimento. 
Nas narrativas dos entrevistados que afirmavam saber o que é a Doença de Gaucher e o seu modo de atuação no organismo observou-se a presença de explicações e fatores causais, elaborados, provavelmente, a partir do estoque de conhecimento disponível sobre este e outros adoecimentos mais comuns, e das informações biomédicas a que tiveram acesso, em consultas médicas ou em pesquisas pela internet.
Estes entrevistados destacaram as seguintes causas, sozinhas ou combinadas entre si, para este adoecimento: a presença de gordura no sangue (que o torna “sujo”, ou “impuro”); o acúmulo de gordura em diversas células do corpo; a falta de uma enzima destinada a evitar tais acúmulos; além da hereditariedade e da genética.
A falta de uma enzima (que não é nomeada por nenhum dos entrevistados), destinada a “destruir algumas células gordurosas”, e “quebrar essa gordura e eliminar do organismo”, é apontada como a causa da Doença de Gaucher nas seguintes narrativas:

“Doença de Gaucher é ... falta de enzima. A enzima serve para destruir algumas células gordurosas, e como o meu corpo não produz, eu já nasci com isso e tal, eu tenho que tomar as enzimas a cada quinze dias.” 
(Laura, 52 anos, diarista)

“Todo mundo tem uma enzima, que quebra... uma determinada gordura no seu baço, no seu fígado, no seu organismo... e eu não fabrico, meu organismo não fabrica essa enzima. 
Então, essa gordura se acumula, geralmente no baço e no fígado, e eu preciso repor essa enzima a cada quinze dias...eu tomo para quebrar essas gorduras do organismo, e para não aumentar o tamanho dos órgãos, nem prejudicar os outros
também.” 
(Rosa, 24 anos, professora)

Observa-se que a relação estabelecida entre a “falta de uma enzima” e o “acúmulo de gordura” provavelmente deve ter tido origem a partir das informações biomédicas sobre a Doença de Gaucher a que as narradoras tiveram acesso. Segundo Minayo (1998), a experiência com a linguagem, os códigos e o sistema biomédico são continuamente reinterpretados e integrados ao universo do adoecido “de forma combinada, alternativa e muitas vezes desconcertante e contraditória em relação ao esquema legitimador” (Idem, p.377), fenômeno também aqui observado.
Outra narradora aponta que a “deficiência de uma enzima” acarreta problemas em seu sangue: 

“Eu explico assim para os outros: que eu sou deficiente de uma enzima. Que quem é normal tem ela, quer dizer, que o sangue funciona certo. Eu, como eu não tenho, o meu é sujo, cheio de complexo. Porque se a gente tem o sangue que não é puro ele só vai se acabando...porque os órgãos não vão trabalhar normalmente, para ter aquele sangue limpo, não é mesmo? Tá na cara, não tá? Porque quem tem o sangue limpo, o sangue trabalha direitinho... e o meu, ó, tudo aí... cheio de gordura...
É lógico!” 
(Estela, 57 anos, vendedora autônoma)

Observa-se, nesta narrativa breve, uma reorganização das informações biomédicas empreendida pela narradora, que desloca a causa de seu adoecimento, da falta de uma determinada enzima, aos problemas com seu sangue. O sangue tornado “sujo, cheio de complexo”, por conta da deficiência de uma enzima acaba prejudicando o funcionamento de outros órgãos, e é apontado por ela como uma das principais causas de seu adoecimento. Desta forma, a doença adquire caráter sistêmico pelas más qualidades do próprio sangue (“sujo, cheio de complexo”), capaz de “espalhar a doença” por todo o organismo. A “sujeira” do sangue ofende a saúde da narradora, similarmente ao constatado por Douglas (1966), para quem “a sujeira ofende a ordem” (idem, p. 12). 
A grande importância conferida ao sangue na manutenção da saúde é frequentemente encontrada nas representações não eruditas e populares sobre este elemento vital (Canesqui, 2015). Nestas representações específicas, o sangue encontra-se associado à força ou à fraqueza da pessoa, tendo os seus atributos grande influência sobre seu estado geral de saúde: quando considerados positivos, as pessoas se auto avaliam como “fortes”, “vigorosas”, e “com saúde”, ao passo que, quando considerados reduzidos, elas consideram-se “enfraquecidas”, “debilitadas” e “doentes”. 
Alguns narradores, no entanto, afirmaram que não compreendiam o que era a Doença de Gaucher, quais seriam as suas causas e o seu modo de atuação no organismo, apesar das informações que afirmaram ter recebido, principalmente de médicos, durante as consultas: 

“Não... não sei te explicar o que é a doença, o por quê eu tenho a doença (silêncio). Não sei te explicar. Eu nasci com isso... nascemos com esse problema aí das enzimas...não temos a enzima... que precisa ser reposta, e tal.” 
(Daniel, 60 anos, comerciante)

A impossibilidade de compreender e de explicar a Doença de Gaucher, para si mesmo e para os outros, é, sem dúvida, uma fonte de sofrimento e de incerteza, como mostra a seguinte narrativa:

“Até hoje eu nunca consegui entender. Até hoje eu me pergunto o que é que eu tenho. E não sei responder. Para mim mesmo, não sei responder o que é Gaucher. Isso é uma dificuldade. Porque eu não sei para mim, também não sei explicar para outra pessoa, entendeu?” 
(José, 27 anos, ajudante geral)

O desconhecimento a respeito da Doença de Gaucher também é uma característica comum a outros adoecimentos raros, conforme afirmam Rodrigo e Muñoz (2016). Sendo estas doenças tão pouco frequentes, é comum o desconhecimento sobre suas causas, inclusive por parte dos profissionais da saúde, dando origem a toda sorte de desorientações no processo diagnóstico, que, em muitos casos, é tardio ou inexistente. Ademais, não há informações suficientes e disponíveis sobre os cuidados e tratamentos que possam melhorar a vida das pessoas com doenças raras, que, embora constituam um grupo significativo, paradoxalmente, são considerados invisíveis à grande parte da sociedade.

(...)"

Quer saber mais?

Gostou, e quer citar? Por favor, respeite os direitos autorais, e referencie o texto corretamente (segundo a ABNT):

Toneloto, Carolina. 'De onde veio esta doença?' O que pensam os adoecidos sobre a gênese da doença de Gaucher. Campinas: Edição da Autora, 2019.

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